A Fatura Psicológica do Fanatismo

Foto: Rovena Rosa/ABr

Um diagnóstico sobre o custo do fanatismo político-religioso para a nossa saúde mental e para o tecido social.

 

 

A fusão do fanatismo religioso com o fanatismo político cria um dos cenários mais tóxicos para a saúde mental, tanto para os próprios fanáticos quanto para a sociedade que os cerca. Essa mistura potencializa os piores aspectos de ambos, gerando um ambiente de ansiedade, medo, exaustão e polarização extrema.

Vamos detalhar essa relação em três partes: as características dessa fusão, o impacto na saúde mental dos indivíduos (fanáticos e não-fanáticos) e as estratégias para nos protegermos.

 

  1. Características da fusão fanática

Quando a religião e a política se fundem de forma fanática, elas não se complementam, mas criam uma ideologia rígida e monolítica. Suas principais características são:

  • Certeza absoluta e inquestionável: A crença não é apenas uma convicção forte, mas a única verdade possível. A política se torna uma missão divina, e os adversários políticos não são apenas oponentes com ideias diferentes, mas “inimigos de Deus”, “agentes do mal” ou moralmente corruptos.
  • Mentalidade de “Nós contra eles”: O mundo é dividido de forma simplista entre o “bem” (nosso grupo) e o “mal” (todos os outros). Isso elimina qualquer nuance e transforma o debate público em uma guerra santa.
  • Desumanização do oponente: Para justificar o ódio e a agressão, o outro lado precisa ser despojado de sua humanidade. São rotulados como “monstros”, “degenerados” ou “demônios”, tornando qualquer forma de empatia ou diálogo impossível.
  • Líderes como messias: O líder político assume um caráter de “ungido” ou “escolhido por Deus”. Suas falhas são ignoradas ou justificadas, e qualquer crítica a ele é vista como um ataque à própria fé e à nação.
  • Realidade alternativa: Fatos, dados e evidências científicas são descartados se contradizem a narrativa do grupo. A verdade passa a ser aquilo que o líder e a comunidade de fé afirmam, criando bolhas informacionais e teorias da conspiração.

 

  1. O impacto na nossa saúde mental

Essa atmosfera tem consequências devastadoras para todos.

  1. Para quem está imerso no fanatismo:
  • Ansiedade e estresse crônicos: Viver em um estado de “guerra” constante contra um inimigo onipresente gera um altíssimo nível de cortisol. A pessoa está sempre em alerta, com medo de perseguições, conspirações e do “fim do mundo”.
  • Perda do pensamento crítico: O fanatismo atrofia a capacidade de análise e dúvida. A identidade do indivíduo se funde completamente com a do grupo, e pensar por si mesmo se torna uma ameaça existencial.
  • Isolamento social: Relações com amigos e familiares que não compartilham da mesma visão são rompidas. O fanático se isola em sua bolha, onde suas crenças são constantemente reforçadas, mas perde laços afetivos importantes.
  • Raiva e ódio constantes: A necessidade de odiar o “inimigo” gera um estado emocional tóxico. Essa raiva consome a energia mental e impede o desenvolvimento de emoções positivas como compaixão e alegria.
  1. Para quem está do lado de fora (a sociedade em geral):

Ansiedade generalizada e hipervigilância: O discurso de ódio e as ameaças constantes criam um ambiente de insegurança. Minorias e grupos-alvo vivem com medo real de violência física e verbal.

  • Exaustão e “Burnout” político: Acompanhar o fluxo incessante de desinformação, agressividade e crises é mentalmente esgotante. Muitas pessoas desenvolvem um sentimento de desesperança e impotência, levando-as a se afastar completamente da vida cívica para se proteger.
  • Síndrome de Gaslighting Social: A negação constante da realidade por parte dos grupos fanáticos (sobre ciência, fatos históricos, resultados de eleições) pode fazer com que as pessoas duvidem de sua própria percepção e sanidade.
  • Erosão da confiança: A base de uma sociedade saudável é a confiança mútua. Quando vizinhos, colegas e familiares se tornam “inimigos” ideológicos, a coesão social se desfaz, gerando um profundo sentimento de solidão e desamparo coletivo.
  • Luto e perda: Muitas pessoas sentem um luto genuíno ao perderem amigos e familiares para o fanatismo. A pessoa que conheciam parece ter desaparecido, substituída por uma versão raivosa e inacessível.

 

  1. Como proteger a saúde mental nesse cenário

É um desafio imenso, mas existem estratégias individuais e coletivas para mitigar os danos:

  1. Estabeleça limites claros: Você não precisa participar de todas as discussões. Proteja sua paz limitando a exposição a notícias e redes sociais. Silencie ou deixe de seguir pessoas cujo conteúdo é consistentemente tóxico. Em conversas familiares, defina limites: “Eu não vou discutir política neste almoço”.
  2. Valide seus sentimentos: É normal sentir-se ansioso, com raiva ou exausto. Reconheça que sua reação é uma resposta saudável a um ambiente doentio. Não se culpe por se sentir mal.
  3. Busque comunidades saudáveis: Conecte-se com pessoas que compartilham valores de respeito, empatia e diálogo. Fortalecer seus laços com comunidades positivas serve como um antídoto para o isolamento e a desesperança.
  4. Invista em alfabetização midiática: Aprenda a identificar desinformação, checar fontes e entender como os algoritmos funcionam. Ser um consumidor crítico de informação te dá uma sensação de controle e te protege do gaslighting.
  5. Pratique o autocuidado radical: Invista tempo em hobbies, exercícios físicos, meditação ou qualquer atividade que te traga alegria e te desconecte do caos. Cuidar do seu bem-estar não é egoísmo; é uma necessidade para sobreviver a tempos difíceis.
  6. Procure ajuda profissional: Se a ansiedade, a depressão ou a desesperança se tornarem avassaladoras, não hesite em procurar um psicólogo ou terapeuta. Eles podem oferecer ferramentas para lidar com o estresse e processar as emoções difíceis.

Em resumo, a fusão do fanatismo religioso e político não é apenas um problema de debate público; é uma crise de saúde mental coletiva. Ela envenena o indivíduo de dentro para fora e fratura a sociedade, substituindo a empatia pela hostilidade e a razão pelo dogma. A defesa da saúde mental, hoje, passa inevitavelmente pela defesa de um espaço público baseado em fatos, respeito e humanidade compartilhada.

 

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