Como pressão dos EUA e erros da ditadura frearam programa nuclear brasileiro

abr 12, 2025 #Argentina, #Brasil, #Geisel, #Vance
Jimmy Carter e Ernesto Geisel em encontro realizado em 1978-Crédito,Arquivo Nacional

Legenda da foto,Jimmy Carter e Ernesto Geisel em encontro realizado em 1978

Em novembro de 1977, o então secretário de Estado americano, Cyrus Vance, veio ao Brasil com uma missão complicada.

Por um lado, queria melhorar as relações do país com o Brasil, estremecidas pelas críticas feitas pelo governo de Jimmy Carter contra violações de direitos humanos praticadas pelas ditaduras latino-americanas.

Por outro, Vance tinha o objetivo de fazer o Brasil ceder e abrir mão de parte de seu programa nuclear.

À época, o Brasil tentava desenvolver seu programa nuclear por meio de um acordo com a Alemanha Ocidental, apelidado de “acordo do século”, e que era alvo de críticas dos Estados Unidos.

O encontro entre ele e o presidente Ernesto Geisel aconteceu no dia 22 de novembro de 1977, em Brasília, e não teria deixado grandes marcas, não fosse uma gafe diplomática que surpreendeu as autoridades brasileiras.

Ao sair do gabinete de Geisel, Vance deixou para trás uma pasta. Nela, estavam documentos elaborados pela equipe do secretário com a estratégia detalhada sobre como ele deveria pressionar Geisel em relação ao seu programa nuclear.

Antes de devolver a pasta aos americanos, os brasileiros, claro, fizeram cópia dos papéis.

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Neles, ficava claro que parte da estratégia americana incluía jogar com a suposta rivalidade geopolítica entre Brasil e Argentina e pressionar aliados europeus para evitar que o Brasil obtivesse as tecnologias que estava buscando na época.

Esse e outros documentos fazem parte de um trabalho conduzido por dois pesquisadores brasileiros que abordam os motivos pelos quais, segundo eles, o programa nuclear brasileiro não foi bem-sucedido a exemplo do que ocorreu em outros países considerados como potências médias como a Coreia do Sul ou a Índia.

O artigo “Who’s to blame for the Brazilian nuclear program never coming of age?” (“De quem é a culpa pelo programa nuclear brasileiro nunca ter chegado à maioridade?”, em tradução livre) foi escrito pelo pelo professor de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Dawisson Belém Lopes, e pelo doutor em Ciência Política João Paulo Nicolini Gabriel.

O texto foi publicado pela revista científica Science and Public Policy, vinculada à Universidade Oxford, no Reino Unido.

Entre os elementos apontados pelo estudo, estão a pressa dos militares em adquirir tecnologia nuclear importada em vez de investir no desenvolvimento local nessa área e o isolamento do programa formulado pelos burocratas do governo e o restante da comunidade científica e empresarial brasileira.

Segundo os pesquisadores, o Brasil ainda se viu alvo de uma espécie de “armadilha” institucional que tenta impedir potências médias de atingirem patamares mais altos nas relações internacionais.

Apesar disso, eles avaliam que cair essa “armadilha” não era inevitável e que os governos dos anos 1970 e início da década de 1980 tomaram medidas que facilitaram essa queda.

Esses fatores, segundo eles, ajudam a explicar porque o Brasil, apesar de figurar entre dez maiores economias do mundo, não conseguiu dominar, em escala industrial, todas as etapas do ciclo nuclear para fins pacíficos.

Tensão entre Brasil e Estados Unidos

Para entender o que os documentos deixados para trás por Cyrus Vance significaram na época é preciso entender o contexto da tensão entre os Estados Unidos e o Brasil.

Em 1970, havia entrado em vigor o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP).

À época, apenas cinco países já haviam sido capazes de produzir bombas nucleares: Estados Unidos, União Soviética, Reino Unido, França e China. Na prática, o tratado impedia que outros países buscassem deter essa tecnologia.

“O tratado faz uma divisão muito clara da ordem internacional entre um primeiro escalão, auto-intitulados guardiões da ordem internacional, e o resto. Entre os que têm armas nucleares e os que não têm”, disse à BBC News Brasil o professor Dawisson Belém Lopes.

Governado por militares de orientação nacionalista, o Brasil não assinou o tratado e continuou a desenvolver o seu programa nuclear.

“Se o Brasil assinasse o acordo nos anos 1970, o país estaria renunciando ao direito de se equiparar às grandes potências mundiais. E o Brasil tinha suas pretensões e aspirações legítimas de subir a escadaria das relações internacionais. [O raciocínio era que] se ele tivesse capacidade tecnológica de ponta que desse a prerrogativa de desenvolver armamentos nucleares, o Brasil teria mais poder de barganha”, complementou Lopes.

Desde então, o país passou a ser pressionado pelos Estados Unidos e outras potências como a União Soviética a restringir o seu programa, apesar de, oficialmente, o Brasil divulgar que ele tinha fins pacíficos.

Em meio às pressões norte-americanas, o Brasil anunciou, em 1975, um acordo nuclear com a Alemanha Ocidental.

Divulgado como o “acordo do século”, o plano era que, em parceria com os alemães, o Brasil construísse oito usinas nucleares em diversas partes do país e dominar, por meio da transferência de tecnologia, o ciclo completo do enriquecimento e reprocessamento do urânio, essencial para alimentar as usinas nucleares.

Os pesquisadores apontam que, nesta época, os americanos adotaram diversas manobras para prejudicar o programa nuclear brasileiro. Foi nesse contexto que Vance se encontrou com Geisel e deixou para trás a pasta com sua estratégia documentada.

“Na minha opinião, o documento que melhor mostra essa pressão é o documento que Cyrus Vance supostamente deixa no gabinete do Geisel”, afirma o professor João Paulo Nicolini Gabriel. O documento foi localizado pelos pesquisadores em meio a mais de dois mil documentos.

Em um determinado trecho, o documento diz que o principal elemento de pressão para que Geisel cedesse em relação ao programa brasileiro era o fato de os Estados Unidos já terem conversado com o governo argentino e que a ditadura vizinha teria se comprometido a abrir mão do seu projeto de implantar uma planta de reprocessamento de urânio se o Brasil também o fizesse.

Trecho de documento apontando estratégia dos EUA sobre o programa nuclear brasileiro. O texto diz que, para os americanos, a estratégia era usar a rivalidade entre o Brasil e a Argentina para fazer o Brasil abrir mão de parte de seu programa.

Crédito,Fonte: Wilson Center Digital Archive / Artes por Caroline Souza, Equipe de Jornalismo Visual da BBC Brasil

Em outro trecho, o documento afirma que a ideia era fazer o governo brasileiro acreditar que o programa nuclear argentino estava mais avançado que o brasileiro e que, se não houvesse um acordo para parar os dois programas, a Argentina conseguiria

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