Momentos de louvor entre as aulas dividem opiniões entre liberdade religiosa e imposição de crenças nas escolas
247 – Os devocionais, momentos de adoração típicos de comunidades evangélicas, ganharam força nos intervalos escolares de colégios públicos e privados pelo Brasil. Em matéria publicada pelo UOL, foi relatado que, em pelo menos 19 estados, estudantes organizam encontros regulares para leitura bíblica, pregações e orações, gerando um intenso debate sobre os limites da liberdade religiosa no ambiente escolar.
Embora os encontros aconteçam sob justificativa de serem voluntários e organizados por alunos, o fenômeno trouxe à tona questões sobre a laicidade do Estado, garantida pela Constituição Federal. Críticos afirmam que a prática pode configurar proselitismo e gerar exclusão de alunos que não compartilham da mesma fé. Ao mesmo tempo, defensores destacam que esses momentos promovem valores éticos e fortalecem o bem-estar dos jovens.
Os encontros, muitas vezes realizados em bibliotecas, quadras ou pátios, têm contado com microfones e a presença de líderes religiosos convidados. Para especialistas, como o professor Fernando Cássio, da UFABC, a falta de regulamentação pode abrir espaço para abusos. “Não se pode permitir que encontros dessa natureza interfiram na rotina, seja a partir do uso de música alta ou de tentativas de imposição de uma fé. A escola pública deve ser um espaço marcado pela diversidade”, alerta.
A prática também mobiliza alunos. Um abaixo-assinado virtual lançado em Pernambuco reúne mais de 17 mil assinaturas em defesa dos intervalos bíblicos. Em audiência pública na Assembleia Legislativa do estado, o estudante João Pedro dos Santos argumentou: “a nossa base é a Bíblia, que, como todos sabem, não é prejudicial a ninguém. Pelo contrário, a Bíblia promove e também aumenta a ética de muitas pessoas que são alcançadas pela ‘Palavra'”.
Excessos e a entrada de influenciadores religiosos – Em estados como Goiás, a prática tem extrapolado o formato discreto dos encontros. Influenciadores religiosos realizam cultos nas quadras escolares, muitas vezes anunciados como palestras motivacionais. Vídeos na internet mostram momentos de oração coletiva e relatos emocionados de estudantes, alguns ajoelhados e chorando.
Especialistas alertam para o impacto dessas práticas em escolas públicas. Ivete Caetano, presidente do Sindicato dos Professores de Pernambuco, reforça: “a escola deve ser por excelência um local diverso e de promoção da ciência. É só fazer um paralelo com a política. Na escola não podemos fazer campanha eleitoral para um partido, mas podemos discutir as propostas dos candidatos de forma plural”.
Interferência de autoridades e projetos de lei – Casos como o de Roraima, onde um policial leu trechos da Bíblia a alunos em um colégio militarizado, levantaram preocupações. Em vídeo divulgado, o oficial carregava uma arma na cintura enquanto convidava os estudantes a rezarem. A conduta está sob investigação pelo governo estadual.
No Congresso, a controvérsia ganhou força. Deputadas como Michele Collins (PP-PE) e Clarissa Tércio (PP-PE) apresentaram projetos de lei que permitem práticas religiosas em escolas e preveem multas a gestores que as impeçam. No entanto, audiências públicas realizadas para discutir o tema foram marcadas por embates acalorados.
Enquanto os debates continuam, o Ministério Público, especialistas e representantes religiosos buscam um equilíbrio entre a garantia de liberdade religiosa e o respeito à diversidade nas escolas.